Projeto estrutural: como ele pode melhorar seu empreendimento
ENTREVISTA: OTÁVIO PEDREIRA
Sócio-diretor da Pedreira Topázio, escritório voltado ao desenvolvimento de projetos estruturais, Otávio Pedreira nasceu e cresceu “respirando engenharia”, principalmente pelo fato de o pai ter sido arquiteto e dois dos três irmãos, engenheiros. Por isso, não foi nenhuma surpresa que ele, ainda estudante da POLI-USP, ingressasse em 2003 como estagiário na Pedreira Engenharia, a empresa da família, e nela permanecesse por quase 20 anos, boa parte deles como diretor.
A vivência entre cálculos e canteiros de obra lhe deu a experiência necessária para compreender as dificuldades e necessidades de cada empreendimento. E também para buscar novas tecnologias ou se adaptar a elas. Nesta entrevista exclusiva ao Núcleo Parede de Concreto (NPC), Otávio Pedreira fala do papel do projetista de estruturas e da apropriação da parede de concreto pelo mercado brasileiro, que hoje adota o sistema em edifícios de diversas tipologias.
Fale um pouco sobre sua formação e atuação profissional em relação ao sistema parede de concreto.
Otávio Pedreira – Eu venho de uma família de arquitetos e engenheiros. Meu pai era arquiteto e tenho três irmãos mais velhos, dois deles engenheiros. Desde pequeno sempre respirei engenharia civil em casa. Depois do ensino médio, interessado nessa área, acabei entrando na Escola Politécnica (USP) e durante o curso de Engenharia Civil comecei a estagiar no escritório da família, já trabalhando com projetos estruturais.
Nessa época, a Pedreira Engenharia, que era o escritório inicial da família, tinha o sistema de painéis pré-moldados de concreto autoportantes, que tem o mesmo funcionamento estrutural do sistema parede de concreto moldada no local: a carga desce pelas paredes, não existem pilares e o sistema está todo baseado no concreto armado. Esse sistema foi até muito usado no início do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), mas por questões econômicas – custo de produção dos elementos pré-moldados e aspectos tributários, relacionados a produzir em um local e montar em outro – ele não se viabilizou. Foi aí que surgiu muito forte o sistema de parede de concreto moldada no local. Como estávamos com meio caminho andado, decidimos investir no desenvolvimento desse sistema no escritório.
Começamos a estudar e a desenvolver projetos menores no sistema parede de concreto. Em paralelo, tínhamos um cliente em São Paulo, a MaxHouse, que quis adotar esse sistema em edificações mais altas, voltadas aos segmentos de média e alta rendas. Essa empresa fez muitas obras assim em São Paulo. Acabamos indo por esses dois caminhos: fazendo projetos em parede de concreto para o MCMV, segmento mais econômico, e para o segmento de média renda, com prédios altos – chegamos a fazer prédios de 28 pavimentos. Isso foi em 2008/2009 e já era a Pedreira Engenharia, sucessora da Pedreira de Freitas, que começou com meu pai e meu irmão, Augusto. Esse foi o nosso ponto de entrada em parede de concreto. Somos uma empresa de serviços, que desenvolve projetos estruturais e, no caso de obras com sistemas construtivos ditos inovadores, costumamos ir além, com uma assessoria também durante a execução.
Como o projeto estrutural pode contribuir para melhorar o desempenho do sistema parede de concreto?
Otávio Pedreira – Apesar de o sistema parede de concreto parecer previsível como uma receita de bolo, isso é verdade só para prédios pequenos. Quando se começa a verticalizar existem algumas opções estruturais. Por exemplo, um prédio pode ter todas as suas paredes estruturais, e neste caso não há flexibilidade nenhuma para o usuário final, ou – como já fizemos muito – pode ter só a casca externa e o core de elevadores em parede de concreto, e o restante em drywall, com uma laje plana ligando os dois elementos, e isso permite uma flexibilidade maior ao usuário.
Nesse caminho, entre ter todas as paredes feitas em concreto e não ter nenhuma parede interna estrutural, fazemos alguns estudos para chegar a um valor ótimo para a situação de cada empreendimento. O projeto estrutural atua muito nisso: desde o início, ajudando na viabilidade do empreendimento – ou de empreendimentos, porque nunca é um projeto só – e também mitigando possíveis patologias que podem ocorrer.
De que forma podem ocorrer patologias?
Otávio Pedreira – O concreto, protagonista desse sistema, tem uma série de propriedades e uma delas é muito difícil de “zerar”, que é a retração. Então, detalhes executivos e construtivos são muito importantes para combater possíveis patologias que a retração venha a gerar na edificação. Esses detalhes devem estar muito bem cercados e apresentados no projeto estrutural.
Então, a definição do concreto é tão importante quanto o desenho arquitetônico?
Otávio Pedreira – Exatamente. Por isso, quando trabalhamos com um novo cliente ou desenvolvemos um novo projeto sempre recomendamos fortemente a contratação de um tecnologista de concreto. Ele nos auxilia na definição de traços, utilização de aditivos, fibras e o que for necessário para mitigar eventuais patologias que possam vir a ocorrer.
O mercado está bem preparado com equipamentos para edifícios altos em parede de concreto?
Otávio Pedreira – Sim, a começar pelo sistema de formas, antes restrito a empresas de fora do país. Hoje, todas as empresas, inclusive as nacionais, acabam tendo um sistema para essas edificações mais altas. Sobre as bombas de lançamento, trabalhamos muito com a Trisul, que executa muito o sistema parede de concreto – ou fachada de concreto, como eles denominam esse sistema – com mastro de concretagem. Esse equipamento acelera muito a concretagem em grandes alturas. Eu diria que, desde a publicação da norma (NBR 16055:2012, atualmente em revisão), os fornecedores do mercado fizeram a lição de casa e hoje estamos muito bem servidos. Não falta praticamente nada. Ao mesmo tempo, com essa grande demanda (do mercado imobiliário) falta tudo.
Em relação à interação entre o projeto estrutural e os demais projetos (arquitetura e complementares), quais são os cuidados necessários e pontos de atenção?
Otávio Pedreira – Claro que temos parceiros acostumados com o sistema construtivo, mas quando trabalhamos com um novo cliente costumamos ter uma reunião prévia com os demais projetistas, como se fosse um briefing do projeto, para apresentar todas as particularidades do sistema parede de concreto. Uma condição básica, neste caso, é não poder caminhar horizontalmente com as instalações dentro das paredes. No sistema parede de concreto isso não é possível, pois comprometeria o elemento estrutural. Passamos a eles uma série de premissas, como também não embutir tubulações hidráulicas. Os projetistas precisam virar a chave para já projetar da forma correta. Então, essa reunião antes do desenvolvimento dos demais projetos é importante e vale para a própria arquitetura. É interessante trabalhar com vãos modulados e o mínimo de bonecas. Tudo pensando na execução, em como chegar na obra e não ter uma peça especial ou não ter um complemento a ser posicionado e que vai ser uma dor de cabeça a cada concretagem. Isso faz toda a diferença. Pensamos sempre na agilidade e na grande produtividade que o sistema traz.
O projeto de arquitetura vem antes do estrutural, naturalmente. Como convencer o projetista a evitar excessos de reentrâncias ou recortes que podem ocorrer tendo em vista o sistema parede de concreto?
Otávio Pedreira – A engenharia acaba prevalecendo nesses casos, porque se foca muito em custo e produtividade. O cliente tem um produto a ser desenvolvido e antes de a arquitetura avançar muito, colocamos uma série de comentários que procuram restringir no desenho a ocorrência de reentrâncias, dentes e fachadas com paredes cegas muito extensas, por exemplo. Vamos moldando o produto, para que a arquitetura já esteja adequada ao sistema. Então, a atuação do projetista estrutural começa antes quando a opção é pela parede de concreto.
Na sua avaliação, quais os cuidados ao se contratar um projeto de estrutura para o sistema parede de concreto?
Otávio Pedreira – A gente brinca que o projetista estrutural é quase como o médico cirurgião do construtor. Se ele não confiar, está perdido. E para trocar, é difícil. Então, em quase 100% dos casos chegamos em um cliente novo por indicação, seja de alguém que vai trabalhar na construtora ou de um consultor, como o próprio Ary Fonseca Jr. (coordenador do Núcleo Parede de Concreto e diretor da Signo Engenharia de Processos). Empresas do sistema de formas também acabam nos indicando.
Porém, nos destacamos no mercado pela preocupação muito forte com a execução. Entendemos que o projeto estrutural, sobretudo em um sistema como esse, não acaba com a entrega do PDF ao cliente. Não. Fazemos todo o acompanhamento, visitamos muito a obra e retroalimentamos o projeto com as dificuldades detectadas. Somos conhecidos no mercado como um escritório que gosta de pisar na obra para entender as dificuldades e fazer um projeto pensando naquilo que será executado. Somos conhecidos pela agilidade no atendimento prévio ao desenvolvimento do produto, que é uma necessidade por conta de aprovações e datas de lançamento e não há como deixar esse processo parado por falta de informação.