Parede de concreto em prédios altos
Engenheiro Francisco Paulo Graziano*
A utilização do sistema construtivo em paredes de concreto moldadas “in loco” cresce a cada dia. No segmento das habitações econômicas se apresenta como uma opção de destaque. Observamos um novo movimento de decisão pelas construtoras: a utilização do processo em prédios verticais, fora do segmento econômico. A rapidez do processo, eliminação das etapas construtivas, uso de mão de obra disponível sem qualificação e as diversas opções de materiais, produtos e serviços desenvolvidos pela cadeia deste sistema induzem aos tomadores de decisão partir para esta solução nos empreendimentos de maiores alturas. Nesta entrevista, o engenheiro Francisco Paulo Graziano fala deste movimento. Ele tem participado junto a construtoras de destaque e referencia no mercado dos estudos e avaliações para tomada de decisão da utilização do sistema neste perfil de empreendimento.
Fale um pouco sobre o perfil das construtoras que têm demonstrado interesse em utilizar o sistema parede de concreto moldado no local em prédios altos, fora do segmento econômico.
Francisco Paulo Graziano – Na verdade não tenho identificado um perfil de empresa, mas sim um perfil de pessoas que têm compreendido que estamos vivendo um momento de intensa mudança no cenário tecnológico do setor da construção de edifícios no Brasil, onde crescem a escassez de mão de obra, a necessidade de maior velocidade de construir. Nesta linha, este sistema tem potencial para dar resposta a estas necessidades, porém o sistema ainda apresenta-se não totalmente desenvolvido no Brasil, devido a nossa relativa inexperiência na aplicação desta tecnologia e a vícios culturais que veem distorcendo o papel do engenheiro na construção de edifícios.
Quais, na sua opinião, os diferenciais deste sistema para este nicho?
Francisco Paulo Graziano – Este sistema, como já se sabe, permite a simultaneidade de execução da estrutura e grande parte das “paredes” das edificações, eliminando alguns ciclos executivos tradicionais, tais como: execução das alvenarias, aplicação de revestimento às fachadas e às paredes internas etc. No caso de edifícios mais altos, acima de 12 pavimentos, a vantagem econômica já se apresenta na composição de custos dos materiais quando comparados aos outros sistemas tradicionais empregados largamente na construção de edifícios no Brasil, ou seja, não é necessária a consideração da velocidade executiva no equilíbrio dos custos, para justificar a sua viabilidade.
Com relação ao desempenho estrutural, quais as vantagens?
Francisco Paulo Graziano – Os edifícios em paredes de concreto são extremamente rígidos quando comparados aos convencionais ou até mesmo aos seus equivalentes em alvenaria estrutural. Garantindo baixo nível de deformações e bom desempenho às ações laterais, tais como vento e outras.
Falando de competitividade, como este sistema contribui para melhorar a performance do negócio das construtoras?
Francisco Paulo Graziano – Como toda tecnologia aplicada à engenharia, este sistema tem bônus e tem demandas em relação à postura da equipe de engenharia das construtoras. Exige uma visão mais industrializada do negócio da construção, com uma postura mais tecnológica da equipe de operação, focada no entendimento das vantagens e cuidados necessários para que o sistema dê os bônus esperados. Isto posto, a contribuição deste será percebida na qualidade da obra como produto final, menos dispersão dos resultados de um edifício para outro, aumento de produtividade e qualidade conforme se incorpora a cultura tecnológica e a postura mais responsável da equipe executiva.
Construir com este sistema em obras horizontais e de baixa altura é a mesma coisa que construir prédios mais altos (acima de 12 pavimentos)?
Francisco Paulo Graziano – Não, a estratégia de ataque à obra, a organização do canteiro, a determinação da quantidade de forma e de equipes executivas e ciclo são completamente diferentes. Além disso, as prioridades do dimensionamento no projeto estrutural é totalmente diferente.
Observamos a utilização de dois processos para execução deste sistema: formas de alumínio manoportáveis e formas trepantes com utilização de gruas para içamento. Sob o ponto de vista estrutural, como você avalia estas opções?
Francisco Paulo Graziano – Sob a ótica do projeto estrutural, não há grande alteração, dependendo da tipologia adotada para o sistema, ou seja, uma tipologia com grande quantidade de partições estruturais ou o contrário. Conforme se apresenta o caso, uma ou outra pode ser a mais adequada.
Cuidados especiais devem ser tomados para execução destes empreendimentos?
Francisco Paulo Graziano – Em primeiro lugar, a cultura técnica da equipe executiva da empresa, que deve ter a compreensão de que este sistema não admite a postura de “tocador de obra” e sim a de quem planeja, estuda, aplica o que planeja e está atento a rever o plano de execução da obra, numa constante e disciplinada busca de melhoria contínua. Em segundo lugar, a contratação de uma equipe de bons projetistas, comprometida com o sucesso deste sistema.
Que dicas você daria a uma empresa que pensa em utilizar o sistema pela primeira vez?
Francisco Paulo Graziano – Começar aplicando em tipologias mais simples e para um número de unidades compatível com a capacidade da empresa de custear o aprendizado e amadurecimento da equipe de obra. Desta forma, a pressão por prazo e resultado fica menor e a equipe tem a oportunidade de aprender a trabalhar com esta tecnologia.
Como devemos tratar as interfaces arquitetura, estrutura e instalações elétricas e hidrossanitárias na elaboração dos projetos executivos?
Francisco Paulo Graziano – Os projetos constituem uma parte importante da viabilidade do sistema, pois nele encontra-se implícito o entendimento de como o processo executivo deverá se dar, impondo facilidades ou dificuldades executivas. Estas características se consolidam muito cedo quando das primeiras decisões tomadas pela equipe de projeto. Por este motivo, a equipe deve estar constituída desde o princípio, trabalhando e decidindo conjuntamente com o cliente quais as melhores posturas que serão adotadas no projeto.
A cadeia de projetistas de estrutura está preparada para este perfil de obra?
Francisco Paulo Graziano – Estamos vivendo uma fase de grande demanda de trabalho em todas as áreas da cadeia da construção, sendo que viemos de uma longa fase depressiva, onde pouco ou nada se fez para formar profissionais em todas as áreas, por falta de mercado e falta de visão estratégica do setor. No que tange às construtoras, estas se tornaram empresas que não têm, com raras exceções, uma visão de planejamento e técnica do que se propõe executar, criando-se a máxima de que o engenheiro de obra é tão somente de produção, sem necessidade de se envolver no projeto. Entendo que o sucesso deste processo depende do alinhamento de ambas as partes com o envolvimento de todos no sucesso do empreendimento, sem divisões estanques de responsabilidades e sim uma polarização de todos pelo sucesso do empreendimento. Com este tipo de abordagem é que os projetistas devem ser contratados e escolhidos, porém sem esquecer da lição de casa que cabe ao cliente e construtora.
A recente NBR 16.055 – Projeto e execução paredes de concreto moldada no local atende a este tipo de obra?
Francisco Paulo Graziano – Com certeza, ela foi preparada para isto e atende muito bem. Porém, requer um “feedback” do mercado para sua constante renovação e atualização para que não se desatualize.
De quais empreendimentos já concluídos você participou neste segmento? Quais os aprendizados você elencaria?
Francisco Paulo Graziano – A nossa empresa, desde o início da formação dos grupos de estudos motivados pela ABCP, ficou mais focado nos edifícios altos, acima de sete pavimentos, por entender que este tipo de edificação executada em paredes de concreto tem viabilidade indiscutível e praticamente independente do ritmo acelerado de execução que o processo permite esperar, devido ao bom desempenho deste sistema quando comparado ao de alvenaria estrutural ou ao de estrutura convencional. Então iniciamos por edifícios de 15, 17 e 20 andares em projetos que hoje estão entregues por grandes incorporadoras do país, tais como Gafisa, OAS, Tenda, dentre outras. Posteriormente, em situações específicas e de viabilidade muito bem estudada, projetamos torres de menor porte de até quatro pavimentos para a Cury e Queiroz Galvão em grande quantidade de unidades, acima de 10.000 unidades. Hoje estamos estudando a viabilidade de novos empreendimentos de um padrão mais elevado para uma grande incorporadora que promete competir muito bem com a estrutura convencional tanto em custo de materiais e mão de obra, quanto em capacidade de dar ao produto uma boa capacidade de adaptação às necessidade do cliente de ampliar ou alterar a planta.
Como a você avalia a iniciativa de criação do Núcleo Parede de Concreto?
Francisco Paulo Graziano – Vejo esta iniciativa com muito bons olhos, pois permite que o conhecimento, as experiências vividas de sucesso e insucesso sejam recolhidas e transformadas em recomendações aos projetistas e construtores interessados na tecnologia, suprindo uma lacuna que vem se estendendo a todo o setor de preservação da história técnica da obra e do projeto que fica, quando muito, encapsulada na cabeça das pessoas que participaram de um determinado empreendimento, sem a devida análise crítica e recolhimento da documentação de acervo técnico que vem se perdendo nas últimas décadas. É uma iniciativa a ser replicada em outros segmentos da cadeia da construção.
* Francisco Paulo Graziano é engenheiro civil formado pelo Instituto Mauá de Tecnologia – IMT, mestre em Engenharia de Estruturas pela Escola Politécnica da USP, professor do Departamento de Estruturas da EPUSP desde 1979, relator da NBR-6118 de 1993 a 2003. Participou da confecção da NBR-16055 e foi o redator do texto base da Norma de Desempenho – parte estrutural – NBR-15575. Ganhou os seguintes prêmios: Prêmio Emílio Baungarten – IBRACON; Prêmio Talento Estrutural – ABECE – Gerdau; Prêmio PUFA ABECE – Arcelor; Prêmio PUFA ABECE – TQS. Diretor da Pasqua e Graziano, consultoria, concepção e projeto estrutural, Graziano desenvolveu projetos estruturais nas áreas residencial, comercial, “malls”, centro de distribuição, arenas de esportes, alojamentos olímpicos, dentre outros, totalizando mais de 40.000.000 de m² em área estrutural, projetadas nos últimos 30 anos.